Observando a varanda da janelinha de seu quarto, antes de dormir, o garoto verifica algo perturbador e chama a mãe para dar o aviso aterrorizante:
- Mãe, tem uma cobra no varal!
A mãe, de onde estava, na sala, o mandou dormir e parar de bobagem, mas ele insistiu, a voz inquieta
- Mãe, venha ver, há uma cobra no varal! Estou com medo!
- Feche a janela, faça as suas orações e vá dormir, amanhã tem aula. – A mãe retrucou gentilmente, mas o garoto insistiu:
- Mãe! Tem uma cobra no varal, como eu vou dormir?
A mãe não respondeu, apenas olhou para o marido, que estava assistindo tv, e, suspirando, revirou os olhos demonstrando não acreditar na informação. Crianças gostavam de chamar a atenção, principalmente à noite, enxergando monstros embaixo da cama ou dentro do guarda-roupa.
- Mãe! E se a cobra entrar em casa?!
- Já está ficando desagradável, é melhor o senhor para de encher a paciência e dormir, antes que eu mande o seu pai aí! – agora a mãe oi mais firme, esperando que o filho parasse de besteiras.
Após minutos de silêncio, a voz do menino, trêmula, chamou novamente.
- Mãe! Pai! Tem uma cobra no varal...
O pai levantou-se do sofá, bufando, calçou os chinelos e dirigiu-se ao quarto do filho com a intenção de tranquilizá-lo e fazê-lo ficar quieto e dormir.
- Não tem cobra, não tem bicho-papão, não tem nada, meu ilho, e eu vou lhe mostrar! Deve ter ficando no celular aqueles joguinhos bobos e agora está com medo!
O pai abriu a porta do quarto, acendeu a luz e a mãe, da sala o escutou falando cm o garoto;
- Venha, vou abrir a janela e lhe mostrar que é só um varal com algumas roupas. Cobras não voam, meu filho!
Depois disso a mãe não ouviu mais nada, e sorriu tranquila pelo marido ter tranquilizado o menino.
Acabou por cochilar em meio ao silêncio. Duas horas depois acordou e percebeu que estava no sofá, e o marido nem havia retornado, muito menos chamado por ela. Deve ter ido direto para a cama.
Ela foi até a cozinha, bebeu água, apagou as luzes e subiu rumo ao quarto. No corredor viu a porta do quarto do aberta e a luz acesa. Balançou a cabeça, verificando que mesmo as crianças do século XXI, altamente tecnológico e sem segredos ainda sofriam da mesma ansiedade que as crianças da geração dela, temendo a monstros e fantasmas, enxergando coisas assustadoras no quarto escuro antes de adormecer.
Caminhou ao quarto do garoto para apagar a luz e verificar o seu sono. Estancou bem à porta, com os olhos arregalados. Abriu a boca, mas nenhum som saiu.
Silêncio mortal.
De manhã, ao chegar à casa, a empregada encontrou os três, pai, mãe filho, mortos no quarto do garoto. Sinal algum de roubo, nada quebrado, nada faltando. Apenas a janela do quarto aberta.
A autópsia revelou, mais tarde, que morreram com altas doses de veneno de cobra. Nenhuma cobra foi encontrada.
Marcelo Gomes Melo